APRESENTAÇÃO

A impossibilidade da paisagem, tangentes ou a própria despaisagem
            Inicio esta apresentação por referir que receei sempre as classificações definitivas, sob o risco de se perder justamente uma das riquezas da pintura que é a sua fluidez criativa, o aspecto de ser uma reflexão viva e preocupando-me inevitavelmente em salientar desde já que considero que toda a produção deve traduzir sobretudo um pensamento vivo na pintura e com força criativa.
Ao optar pelo neologismo “despaisagem” procurei reforçar através do prefixo o seu carácter de oposição, negação e falta em relação ao conceito inicial de paisagem abstracta. Remonto desta forma à ideia de desencontro entre o que é visto inicialmente e o percurso do meu trabalho com uma dinâmica interna que lhe é própria.
            Não obstante, constata-se facilmente que em toda o meu percurso é patente um informalismo abstractizante em cuja trajectória se reflecte o predomínio de uma ligação interior importante com a natureza implícita na paisagem, sendo que a maior parte das minhas obras pretende, partindo do núcleo das paisagens, a recusa de uma dada ordenação ou qualquer disposição perceptiva tendente a figurar, e em que quero esquecer o limite do paradigma da imitação e passar da possibilidade do reconhecimento à possibilidade da descoberta reforçando a essência de ordem eminentemente pictórica e não meramente representativa.


P04.10, ACRÍLICO S/TELA, 100X150cm, 2010,Colecção particular do Prof. A. M. 
(Paisagem abstracta)


Na série das despaisagens, as várias séries de manchas que são justamente o exercício para atingir o grau zero da desconstrução lírica, é já a subversão para além do apagamento inicial no predomínio da mancha pela mancha que me permitiu, e incita ainda hoje, à premente renovação do meu trabalho. Rodeada de um mundo dominado por imagens e em que a paisagem aparece como uma obrigação ao olhar, a passagem da paisagem à despaisagem, resulta numa subversão de elementos e linhas pictóricas que pretende transportar o olhar para outras paisagens a princípio não vistas. De facto, o percurso do meu trabalho incorreu sempre na passagem da paisagem, à despaisagem e à sua subversão, ou na constante procura da mancha abstracta por desconstrução da paisagem, também ela de carácter abstracto, ou seja, em última análise numa possível utopia das imagens


D01.10, ACRÍLICO S/TELA, 70X50cm, 2010
(Estudo para a subtracção total ou a despaisagem)

Acredito agora que toda esta trajectória para esta despaisagem reflecte a minha vontade expressa do apagamento da memória – como se de uma pele cansada de saber e olhar se tratasse, indicando a possibilidade de um futuro, a possibilidade mágica de encontrar o novo. É, parece-me, o desencontro entre a memória da infância e a diversidade das paisagens naturais com que mais me confrontava – Beira Alta, Peniche, Alentejo e Noruega, como desencadeador do processo que culminou no que denomino de despaisagem ou tangências à paisagem, como se o entrelaçamento da minha memória pessoal e o do meu trabalho me conduzissem sempre a uma resolução comum. O resultado de um momento em que a paisagem da infância parece perder-se em descompasso, frente à mudança da paisagem exterior, o desacordo entre a memória e o mundo presente que parece suscitar a própria impossibilidade de representação da paisagem. É razoável admitir agora, que a busca impossível da infância, as contradições inerentes ao confronto entre a memória infantil de diversos lugares e a minha visão adulta de um lugar outro, tem consequências nas minhas telas. Uma impossibilidade que pretendo tornar uma questão poética, uma impossibilidade que quero se transforme em achado, para mim e para o público.
Ao iniciar o estudo sobre os “Legos” pretendi ir ainda mais longe, criar mais oportunidades, não chegar apenas a uma despaisagem impossível e irreal criada por mim, mas conferir-lhe a mutabilidade, um outro caminho, aquele que já não é apenas a minha própria concepção de despaisagem mas sim a despaisagem do outro numa outra desconstrução capaz de ultrapassar a minha própria proposta inicial.



LENÇO DOS NAMORADOS, PAINEL C/ 12 TELAS EM ACRÍLICO E 2 TELAS FOTOGRÁFICAS,
 168x225cm, 2011, Colecção particular da Dr.ª F. M
(Trabalho para o estudo dos “Legos” como que a pedir já uma intervenção por parte do fruidor)

A série Elementos Recorrentes engloba um grupo de naturezas mortas e outro de retratos. Ambos acontecem no meu trabalho na pertinência de entrar no meu sentir e olhar a paisagem, conservando-os assim, para mim mesma, e especificamente no caso das naturezas mortas, vivas enquanto elementos integrantes de uma paisagem e mortas enquanto elementos pictóricos despojadas dessa própria vida. No caso dos retratos, surgem também eles da relação estreita entre o indivíduo e o pensar paisagem.  Em ambos é a sobreposição dos dois géneros, que não apenas necessário em mim, alguns artistas ensaiam como que uma revisão do passado recorrendo-se de elementos e modelos de outras épocas. São, em ambos os casos, o depois da conquista de uma visualidade abstracta, onde os elementos não são mais claramente reconhecíveis. Esta série é a busca de um equilíbrio mas que ao contrário de ser um retrocesso vejo sempre como uma conquista.


Acrílico e óleo s tela; 80x60cm; colecção
particular, encomenda de Hallvard S..